É um pouco mais complicado que isso. O fato de um piloto famoso usar capacete X não quer dizer que ele seja realmente o melhor, ou muito melhor. O piloto famoso não é uma autoridade em capacetes, só um cara que tem dinheiro para usar (talvez até sendo pago para fazer propaganda) os mais caros.
Não estou dizendo de forma alguma que sejam ruins, ou que um Vagabex da vida seja tão bom quanto (especialmente no que se refere a conforto), mas a reportagem da Motorcyclist que citei tem algumas coisas bem interessantes, e contra-intuitivas.
Por exemplo, já li dizerem coisas como "OK, um EBF até dá conta no trânsito da cidade, mas na estrada os mais seguros são esses com fibra de carbono, desenvolvidos para impactos de alta entergia", mas ironicamente é praticamente o contrário: os mais duros são um pouco melhores nas cidades, e os mais "macios" em estradas (ou talvez até corridas), dependendo dos arredores.
A explicação é que os mais macios absorvem melhor o impacto em superfícies planas, enquanto os mais duros, contra coisas como quinas, mas isso vem a um pequeno custo do amortecimento de impacto em superfícies planas. E a velocidade que se anda em estradas não tem grande relação com a velocidade de impacto do capacete, que é quase sempre -- e mais comumente, na estrada -- a velocidade do corpo em queda, praticamente reto para baixo, depois de ser lançado a uma altura de uns 2m para cima. O que também é na grande maioria das vezes sobre uma superfície plana, e não sobre algo análogo à bigorna arredondada dos testes Snell. Na verdade, na cidade, a velocidades mais baixas (que é também onde acontece a maioria dos acidentes), são um pouco maiores as chances de cair contra alguma espécie de quina (mas mesmo na cidade a maior parte dos impactos se dá contra superfícies planas), e é só aqui que os capacetes com selos Snell tem alguma vantagem.
É um bocado interessante a reportagem, e surpreendente, depois de ver tanta babação de ovo sobre Snell. A reportagem simplesmente não conseguiu encontrar outros cientistas que dissessem algo muito elogioso quanto aos padrões deles, sendo diferentes de todos os outros padrões internacionais, e de estudos independentes que visam descobrir quais seriam os melhores padrões para esse tipo de coisa. Um cientista disse até que "eles estão fora de contato com a realidade".
O sucesso do Snell seria praticamente um fenômeno meio como sucesso de uma marca, pela marca, e não por uma qualidade realmente muito superior. Inclusive lá o selo Snell é o que os "EBFs" americanos buscam para conseguir alguma credibilidade, apesar de serem baratinhos.
Mas como disse, não é que os padrões do Snell sejam uma tremenda porcaria que não valha nada. Eles dão conta de situações mais realistas que as usadas nos testes, mas poderiam rever os critérios, visando não criar um capacete que só transmite 300 g mesmo que atingido por um meteoro, mas minimizar os g's em situações mais "normais". Porque esse critério de corte de 300 g é um dos principais motivos de crítica. Se procurar por "300g" junto com "capacetes" no google, vai ver coisas como "o crânio humano resiste a 300g". Não é bem assim. Não existe só um crânio humano universal, esse já é um impacto extremo, e pessoas mais velhas ou mais frágeis podem não suportar. Principalmente se vier acompanhado de outros ferimentos. 300 g é um limite, quase como um "recorde" de resistência. É meio como se fizessem coletes a prova de bala que deixassem passar até 15 balas porque já houveram uns casos de pessoas que sobreviveram a 15 balas, e priorizessem em vez da resistência a balas comuns, balas de calibre 50 ou algo assim. A reportagem menciona que mesmo capacetes do exército -- onde os soldados são normalmente mais jovens e mais fortes, resistentes a acidentes, do que todo o espectro da população dos motoqueiros -- tem um limite de g's bem mais baixo, de 150 a 175, dependendo da área do capacete.
Mas de qualquer maneira, isso não diz diretamente nada sobre os EBF/Baratex e os padrões do inmetro. Cadê as publicações e programas como o Fantástico para fazerem uma reportagem similar a essa da Motorcyclist, só que voltada para os capacetes brasileiros? Era algo assim que eu queria ver, e não essas opiniões de gente que parece que pensa conseguir avaliar se um capacete é bom como naquela propaganda antiga de presunto Sadia, vendando os olhos, e passando o dedo nos capacetes e depois lambendo o dedo.